Letícia Massula & Perguntas à Mesa
- Perguntas à Mesa
- 17 de mai. de 2021
- 5 min de leitura
PERGUNTAS À MESA & LETÍCIA MASSULA

Leticia Massula: cozinheira, meio mineira meio goiana, atualmente residente de Sampa, após alguns anos em Pirenópolis. Uma mulher que o olhar já demonstra convicção e sabedoria, compartilha suas receitas e leva o Brasil no coração e nas panelas.
A comida brasileira é a sua grande fonte de criação e pesquisa. Somos apreciadoras do seu blog Cozinha da Matilde e de sua forma de comunicar em programas como: Receitas Brasil (Brazil Cookbook), Prato do dia (TLC), Trivial Perfeito (TV UOL) e atualmente o quadro Comida de Verdade no Programa Bem Viver da Rede Brasil de Fato, na Rede TVT.
Vem com a gente apreciar essa conversa leve com frescor de salada e um dedinho de pimenta.
A cada entrevista do perguntas à mesa temos a oportunidade de aprender mais sobre a comida brasileira, enquanto a amarga realidade nos mostra que hoje, aproximadamente 19 milhões de brasileiros estão em situação de fome. Buscamos saber construir coletivamente soluções para o presente e o futuro de forma a reverter a fome e a desigualdade social.
1 . Para você quais seriam os aspectos culturais únicos na mesa brasileira?
A onipresença da mandioca do Oiapoque ao Chuí é o elemento estrutural da comida brasileira. De alguma maneira ela está presente em todas as mesas brasileiras e nos “distingue” dos demais povos americanos, que têm o milho como eixo alimentar. Como modo de cocção, os assados, aplicadas várias técnicas, em especial o moquém para conservação e como tempero, sem dúvida, a pimenta. Essa é a base da comida de nossos povos ancestrais.
A invasão europeia, o tráfico negreiro e o encontro forçado de culturas que se deu a partir deles produziu uma comida com muitas peculiaridades e traços comuns, mas também profundamente marcada pelos regionalismos, em função dos biomas em que estão inseridas.

2. Como você enxerga os caminhos da gastronomia pós - pandemia?
É difícil pensar em caminhos da gastronomia com o Brasil de volta ao mapa da fome, e a insegurança alimentar grassando pelo país. Voltamos muitas casas. O tema novamente é a fome e o setor de alimentos e bebidas não pode se furtar a essa discussão.
Temos também o rescaldo dos pequenos negócios que fecharam suas portas por falta de subsídios para enfrentar a pandemia e ainda o incremento dos serviços de entrega, que mudou a operação de muitos negócios e os hábitos de consumo, em especial nos grandes centros.
Entre as pessoas privilegiadas, a pandemia destacou a importância de conhecimentos básicos para preparar sua comida em casa, a demanda por cursos e conteúdos de cozinha aumentou muito. A crise econômica que se segue reforça essa “tendência”, mais que nunca vamos cozinhar em casa.
3. Como foi a seleção das receitas e o processo de criação de roteiro para o programa RECEITAS BRASIL? (Disponível na Amazon Prime).
Contei com a valiosa ajuda de uma amiga, a Ana Franco, do Cozinha de Idéias, na realização da pesquisa.
O programa (Brazil Cookbook) foi uma encomenda da BBC América Latina para lançar na Copa do Mundo, e tinha como público alvo toda América Latina, do México ao Chile. Essa abrangência foi o grande desafio para a elaboração do roteiro e definição dos episódios. Não podia ser tão profundo e regional a ponto de dificultar o acesso da audiência fora do Brasil, nem superficial a ponto de desagradar o nacional. E no meio disso tudo, o cuidado de não cometer nenhuma heresia e não desagradar nenhuma tradição alimentar local.
Por conta dessas questões, incluímos alguns episódios muito característicos da cultura alimentar brasileira, entre eles, um dedicado à Mandioca, Rainha do Brasil, a Feijoada e o Churrasco também ganharam episódios próprios, bem como nossas festas infantis e seus característicos acepipes (dá-lhe coxinha e brigadeiro), as comidas vendidas nas praias e no entorno dos estádios e também um destinado às quitandas. No fim, ainda encaixamos um episódio dedicado às pimentas (é claro!), e outro com receitas vegetarianas preparadas com ingredientes brasileiros como o caju e a mandioquinha.
Fizemos ainda uma divisão da comida brasileira focada nos biomas e que saíram da proposta original, que era fazer estado a estado, embora muitos estados e regiões tenham ganhado episódios especiais. Dividimos o litoral brasileiro entre sul/sudeste e nordeste/norte. O NE é dividido entre litoral e sertão, a Amazônia rendeu dois episódios, Águas e Terra. O cerrado também ganhou um episódio próprio e ainda um reforço - olha o meu bairrismo! - logo no episódio de abertura, com minhas comidas favoritas.
Eu não sei se hoje faria da mesma forma, mas gosto muito de como dividimos a mesa brasileira.
4. A gente sabe que você é fã de pimenta. Qual o prato que esse ingrediente precisa estar presente? E qual pimenta você escolheria?
Eu como quase tudo com pimenta, não vivo sem, então não tenho muito isso de um prato com ela, rsrs... mas, os ensopados, guisados, cozidos, as comidas de caldo, nasceram pra ser comidos com pimenta, nesses ela não pode faltar.
A pimenta para essas comidas, pra mim, é sempre a bodinha, muito usada em Goiás. Aliás, todas as pimentas da família chinense, super perfumadas, são minhas favoritas, mas a bodinha traz junto a lembrança afetiva.

5. Qual seria o prato do dia da Leticia Massula?
Para mim o que não pode faltar é salada e vegetais refogados, meu grupo alimentar favorito, sou dos verdes por conta da diversidade de sabores e também o arroz. Como boa goiana, sou apegada demais ao arroz.
6. Como é o seu processo criativo dentro do estilismo culinário?
Em geral começa com a criação das receitas, que dependem muitas vezes da demanda que me foi dada. Eu as defino de acordo com o que preciso mostrar especificamente, seja um ingrediente, uma técnica ou um tema.
Depois eu trabalho com o perfil de sabor, qual a pegada que a receita vai ter, e eu procuro sempre trabalhar com a sazonalidade e disponibilidade local dos ingredientes como eixo. Então eu desenvolvo a mistura de sabores, equilibrando acidez, sal, doçura, amargor, umami, picância. Por fim, eu caso esses sabores com as texturas, que para mim definem o sentimento do prato.
Feito esse desenho eu parto pra parte técnica da receita e aí dependendo da demanda preciso adequar a receita aos recursos disponíveis pra execução e ao público alvo. Depois de todo esse processo, eu desenho especificamente a cara que ele vai ter, o modo de servir, a montagem, a louça, o cenário, os ângulos, a luz. Só então é feita a sessão de fotos.

7. Como você relaciona a pesquisa gastronômica no âmbito dos biomas brasileiros?
Para mim é fundamental relacionar comida com bioma. A comida anda junto com o ambiente, não é possível dissociar. Desde os ingredientes disponíveis até as técnicas que vamos empregar dependem do bioma.
A comida que fazemos em um ambiente úmido é diferente da comida preparada no ambiente seco, assim como tem diferenças as comidas de clima quente e as comidas de clima frio. A maneira de temperar a comida, os condimentos, os aromáticos estão intimamente atrelados ao clima, bem como, os modos de preservar alimentos. Tudo está relacionado.
E é por isso que eu gosto de sair por aí observando os biomas, as gentes e as comidas, é minha maneira de entender o mundo.
* Letícia Massula é formada em Direito, mas mudou a sua trajetória. Fez as malas para viver sua paixão, o hobby virou profissão ela é cozinheira formada na Escola Wilma Kövesi de Cozinha, especializada em Food Stylist e carnes, além de produtora de conteúdos do jeito que a gente gosta com mesa farta e comida brasileira!
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