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A problematização está servida

  • Foto do escritor: Stefano Nunes
    Stefano Nunes
  • 22 de fev. de 2021
  • 3 min de leitura

Quando você se senta à mesa para jantar, almoçar, desjejuar, lanchar, beliscar, comer alguma coisa na correria, agarrar um sanduíche enquanto dirige até sua próxima reunião, ou finalmente toma uma caipirinha para relaxar, você pensa sobre o que significa o que está fazendo?

Quantas vezes paramos para pensar nos hábitos que temos, no número de refeições que fazemos, no tempo que dedicamos a elas, na escolha de ingredientes e sabores, e nos processos que os trouxeram até nós?

Quanto seu prato viajou no tempo e no espaço para chegar até você? O que é um prato típico? O que é um prato tradicional? No Brasil essas questões ficam mais complicadas ainda se pensarmos que nossa história é intrinsecamente ligada ao apagamento e erradicação física e cultural de outras populações, notadamente as múltiplas populações indígenas e africanas que invadimos ou sequestramos. As coisas que comemos hoje são o fruto de um branqueamento histórico de nossa população ou são a consequência natural de uma inocente onda de migração vinda do sul da Europa? Por que, quando entro no supermercado, ou até quando vou à feira, é mais raro encontrar umbu, seriguela, cajá manga do que maçã, pera e cereja?

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Quando pegamos o celular para pedir comida, perambulando pelas categorias para decidir o que vamos pedir, com que facilidade aceitamos que a comida seja classificada como “oriental”, “brasileira”, “almoço”, “lanche”, “italiana”. O que significam exatamente essas palavras? Por que razão, quando vemos “oriental” atrelado a um prato, conseguimos ter uma ideia do pacote de sabores que vamos receber?

Como ocorreu nossa educação gastronômica, para que saibamos tão bem o que são sabores “orientais” (um termo vastamente contestável) e tão mal o que são sabores “indígenas” ou “africanos”? Onde estão as fronteiras?

O que faz que poke seja poke e não sashimi? O que faz que alguém pense que carpaccio de salmão é comida japonesa? Acarajé é a mesma coisa que um falafel? Você já provou comida indiana? E comida Punjabi, Hyderabadi, Tamil, Kashmiri?


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De quantas culturas é feita nossa cultura? Quantos barcos chegaram nos nossos portos trazendo ingredientes de fora para constituir um cardápio verdadeiramente brasileiro? Esse cardápio existe, ou só existem cardápios regionais específicos? O Brasil é tão Brasil que acaba abrasileirando todas as culturas que toca. Frango a parmegiana? Típico do brasil. Estrogonofe? Mais tradicional impossível. Kibe, esfirra? Toda festinha tem que ter. Hot dog? Toda esquina tem sua tradição, mas onde estão os imigrantes Americanos?


É normal que tenhamos uma relação tão solta com as culturas de comida? Não sei se é normal, mas é compreensível. Contudo, não sei se é muito recomendável passar por cima de questões importantes como apropriação cultural, apagamento étnico, branqueamento e, claro, racismo sem nem pensar duas vezes. É normal existir uma marca de alimentos chamada “Chinezinho”?

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É por essas e outras que FiGAS me convidou a problematizar as refeição tudo, do café da manhã até o pedaço de bolo de aniversário que eu sei que você roubou depois de todo mundo ir dormir.

Fiquem de olho então durante esse ano todo, vamos ficar fritando o cérebro desconstruindo o colonialismo nosso de cada dia, fazendo perguntas inconvenientes e provavelmente fornecendo um total de zero respostas concretas...


Mas problematização é que nem sobremesa, sempre tem espaço para mais.


*Stefano Nunes é padeiro artesanal, curador no instagram @anticolonialist.cookbook, formado em economia pela Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne, mestre em economia do desenvolvimento e políticas públicas e história econômica pela Sciences Po Paris e London School of Economics, mestrando em Gastronomia, Culturas Mundiais de Comida pela Università degli Studi di Scienze Gastronomiche.

Stefano escreve sobre colonialismo e comida para FiGAS. Acompanhe!


Imagens:

Marcello Aquino para Unsplash

Ryan Kwok para Unsplash

Stefano Nunes

6 comentários


bomdia.figas
bomdia.figas
10 de mar. de 2021

Desmistificando comemos melhor, não é?! Sempre contente com seus comentários.

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helena.brambilla
10 de mar. de 2021

Uau!!! Que post incrível!!!

Ainda não havia chegado a uma profundidade tão grande em relação às nossas escolhas gastronômicas e tudo que pode estar envolvido nelas.

Que belo post, que belo trabalho!

Já ansiosa por tanto conteúdo maravilhoso!!!

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bomdia.figas
bomdia.figas
10 de mar. de 2021
Respondendo a

Oi Helen, que bom que gostou! Seja muito bem vinda

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bborgesmacedo
bborgesmacedo
22 de fev. de 2021

Wooowww tem muuuito espaco para problematizar e refletir! Bora desconstruir, reconstruir e ressignificar nossos conceitos sobre comida e sua apropriacao. To dentro!

Excelente inicitativa, Figas! Parabens!!!

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bomdia.figas
bomdia.figas
10 de mar. de 2021
Respondendo a

Ei Babi, obrigada pela leitura e carinho! Vamos juntas nessas reflexões todas!

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Dolores Amorim
Dolores Amorim
22 de fev. de 2021

parabéns.... rica iniciativa,oportuna mensagem...necessária ao nosso conhecimento e desmistificação dos alimentos, suas origens suas riquezas nutricionais e incorporação à culinária brasileira super multicultural....

\parabéns a FIGAS,

parabéns ao Stefano Nunes

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