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COTIDIANO

  • Foto do escritor: FiGAS
    FiGAS
  • 21 de set. de 2020
  • 4 min de leitura

Cozinha do cotidiano. Eu gosto muito desse termo para definir sobre que tipo de cozinha eu falo. É essa cozinha que inevitavelmente a imensa maioria das pessoas adentra, ainda que de fininho, com desconfiança, sem muito jeito, mas uma hora a gente cai lá, porque temos que comer não é mesmo? Sim, estamos em 2020 e ainda não inventaram (ainda bem) uma pílula que substitua os alimentos e nutrientes que nosso corpo necessita. Não, não dá pra viver a base de entrega de restaurante ou do que vendem pronto em sacos plásticos. Sim, a vida está corrida, as demandas são imensas, cozinhar pode parecer a parte mais trabalhosa do dia.


Mas, antes de se iniciar a lamúria sobre as dificuldades de se cozinhar, queria te lembrar que é graças a este ato mágico - que nossos ancestrais deram um duro danado para entender e aprimorar - que estamos aqui hoje. Quem disse isso? A neurocientista Suzana Herculano-Houzel. Em seu livro “a vantagem humana”, um dos capítulos tem como título: “agradeça a cozinha pelos seus neurônios” e nele, ela discorre sobre como o ato revolucionário de cozinhar atuou diretamente em nosso desenvolvimento cerebral e evolução enquanto animais bípedes e pensantes que hoje somos. “O que nós temos e nenhum outro animal tem e que explica a nossa vantagem cognitiva? (...) nós cozinhamos o que comemos: essa é uma atividade exclusivamente humana” a cientista deixa claro, que não é somente este fato que impulsionou nossa evolução, mas é essa nossa vantagem, e que alavancou em anos nosso aumento de neurônios, para que pudéssemos estar aqui agora. A possibilidade de ingerir alimentos cozidos ao invés de crus nos fez ganhar tempo, agilidade, mobilidade e neurônios. “Portanto, agradeçamos aos nossos ancestrais Homo culinarius pelos nossos neurônios e tratemos a cozinha com o devido respeito”, finaliza ela.


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Apesar de que, diante toda essa evolução, hoje é possível optar por uma dieta crudívora ou frugívera, a maioria dos seres humanos se alimenta de comida que em algum momento passa pelo fogo, que tem que ser preparada. E a preparação toda tem lugar para acontecer: a cozinha de casa, a cozinha do dia a dia, do arroz com feijão, da comida favorita, das invenções e testes, dos bolos fofinhos ou solados, dos 52 lanches das crianças, da lasanha de domingo, do mexido rapidão.


É essa cozinha, que devemos tanto honrar, se buscamos honrar nossos ancestrais. Considerando assim, me parece então, até uma afronta designar o preparo de nossas refeições à terceiros sempre. Cozinhar é para nutrir corpo e alma. Cozinhar é saber que a mágica vai acontecer

na panela e em seguida vai abastecer e

dar conforto ao fim de um dia puxado.


É lindo, mas cansa. Pode ser delicioso, mas às vezes dá preguiça. Sai coisa bem gostosa, mas de vez em quando o caldo entorna. Afinal, no cotidiano não existe magia o tempo inteiro, romances não duram a vida toda, e tem o lado difícil e puxado do trabalho da cozinha. Parece desconexo, né?! E é!

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Por um lado, temos a consciência da importância do cozinhar, do se nutrir, do pensar com carinho nos alimentos que irão para a mesa. Por outro, a exaustão das demandas gerais da vida, do tempo dedicado ao cozinhar, dos tropeços iniciais entre as panelas, da coluna doendo de tanto picar, remexer, abaixar, cortar e amassar. E há de se adicionar a esta equação, o fato que quem carrega o maior peso deste cansaço são as mulheres.


E por aí começa a desandar toda a beleza e amor envolvidos na cozinha: quando não há partilha dos afazeres, quando há pressão, expectativas e saúde de outras pessoas envolvida. Uma pessoa que more só faz suas escolhas e atividades focada em si, e tem manejo de seu tempo e suas decisões. A partir do momento que a casa e a mesa são compartilhadas, mas o trabalho na cozinha não, a balança desequilibra e tudo desanda. Se todos comem, todos participam do trabalho (salvo as crianças pequenas e ainda sem controle de suas atitudes).


‘Ah, mas é que eu não sei cozinhar”, bom, ninguém nasceu sabendo, nem é talento nato de umas e outras.

É uma atividade cotidiana que pode ser aprendida e dominada com maestria, caso haja interesse. Além do mais, há na cozinha uma lista bem grande de atividades a serem desempenhadas. “Cozinhar inclui fatiar, cortar em cubos, moer, amassar, triturar, temperar e marinar, técnicas essas que facilitam mastigar e engolir a comida”, diz a mesma autora citada ali em cima. E além do cozinhar, tem o planejar, organizar, separar, lavar, limpar e outras tarefas mais. Ou seja, a cozinha do cotidiano demanda atenção, carinho e tempo. Muito tempo. E voltamos ao paradoxo: mas é dela que sai nossa subsistência, nosso combustível diário, o cheirinho de cebola refogando, o biscoito no forno que perfuma a casa, a torta do lanche.


Como encontrar um equilíbrio nessa balança? Os caminhos são muitos, as descobertas várias, e cada pessoa tem que definir sua trilha. A ideia aqui, como sempre, é refletir nossa comida.

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Que as reflexões possam colaborar a delinear nossa melhor jornada, compreender nosso lugar nesse mundo, e escolher o que fará bem.

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*Michael Pollan cita a pesquisa de Herculano-Houzel em seu livro “cozinhar”, e fica a dica de assistir a série de mesmo nome no Netflix, principalmente o episódio “fogo” para embalar melhor essa reflexão.

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Imagens: Artem Maltsev, Kody Dahl e Xiaolong Wong para Unsplash

2 comentários


Dolores Amorim
Dolores Amorim
22 de set. de 2020

Texto incrível!!!! Parabéns

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bomdia.figas
bomdia.figas
10 de mar. de 2021
Respondendo a

Que bom que gostou!!! <3

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