PIADA DO SUCO VERDE
- FiGAS

- 16 de mai. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de jun. de 2020
Já tem algumas semanas que vejo a seguinte piada rolando por aí: “Gente, o mundo está acabando, e a pessoa tomando suco verde, vai lá comer (insira aqui algum industrializado) minha filha”. Eu não achei graça na piada, porque não acho graça na promoção de alimentos industrializados, os chamados ultraprocessados pelo “guia alimentar para a população brasileira”, documento robusto e importante, editado e lançado pelo ministério da saúde em 2014 com apoio de vários profissionais da saúde.
O Guia alimentar fala que “alimentos ultraprocessados são formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas), derivadas de constituintes de alimentos (gorduras hidrogenadas, amido modificado) ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão (corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e vários tipos de aditivos usados para dotar os produtos de propriedades sensoriais atraentes).” Em resumo: imitação de comida feita em laboratório com pouco ou nenhum nutriente ao seu corpo.
Quando a gente vê por aí as pessoas falando de comida de verdade, ou comida natural, nada mais é que a comida que vem da terra, aquela que efetivamente alimenta e nutre nosso corpo, e ajuda na manutenção de nossa saúde. Não há alimento que crie uma boa imunidade que vai instantaneamente te salvar, como dizem por aí. Estar com boa imunidade e saúde implica em um cotidiano constante de boas escolhas.
A piada diz que ultraprocessados são melhores que suco verde, e que por ser o fim do mundo, o ideal é se jogar na falsa comida ao invés de um suco. Para a pessoa do suco, ele é gostoso e ela está feliz (esperamos, né?! Afinal, se alimentar deve sim ser sempre prazeroso). A industrialização da comida nas últimas décadas criou a idéia de que a comida pronta é a mais gostosa, prazerosa e divertida. Aliás, estudou-se muito. São anos de neurociência voltada para como o cérebro entende comida, como determinada quantidade de açúcar, gordura ou aditivo atuam em nosso sistema nervoso a ponto de que passemos a identificar algo como incrivelmente bom. Muitas cobaias, investimentos e propagandas depois, estamos aqui, um mundo com inúmeros problemas de saúde oriundos de má alimentação*. Não atoa milhares de pessoas ao redor do mundo lutam para adquirir novos hábitos alimentares e diminuir o consumo de ultraprocessados. É difícil pra caramba! Os estudos para que nosso cérebro entendesse estes produtos como única comida possível foram eficientes, e altamente danosos.

Então, quando no meio de uma pandemia que sozinha já está fazendo um estrago imenso, as pessoas incentivam consumo de produtos que vão estragar a saúde de outras, não tem graça nenhuma. Se há um momento importante para olhar para nossa saúde, é agora.
E o suco verde? Há quem goste. Há quem não goste. Há quem nunca tomou e tem bastante preconceito. É só um suco. Verdade, muitas vezes por trás dele há toda uma teoria fitness, boas vibrações, compulsão por magreza e muito mais. E isso também é um problema a ser refletido seriamente. Que a piada seja então sobre o que está por detrás do suco. Pois quando colocamos a comida como protagonista do que é ruim, ou até vilã do prazer alimentício, salientamos mais uma vez o que a indústria deseja.
Esta reflexão é sobre o que é que estamos ingerindo. De onde vem nossa comida? Vem da terra ou da indústria? Indo além: quem estamos patrocinando e oferecendo nosso suado dinheiro, grandes indústrias ou a produção familiar que luta para sustentar os seus? Como encontrar o equilíbrio nisso tudo?
*(um alerta: automaticamente pensamos exclusivamente em obesidade ao ler isso, mas aí entra nossa gordofobia. Má alimentação afeta pessoas magras ou gordas, e muitas pessoas gordas se alimentam melhor que muitas magras.)
Imagem: @lesley_jay_dee para @unsplash





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